Só com censura

Por J.R. GUZZO

Para o seu próprio sossego pessoal, o ex-presidente Lula, seus fãs mais extremados e os chefes do PT deveriam pôr na cabeça, o mais rápido possível, um fato que está acima de qualquer discussão: só existe um meio que realmente funciona, não mais que um, para governos mandarem na imprensa, e esse meio se chama censura. Infelizmente para todos eles, essa é uma arma de uso privativo das ditaduras — e nem Lula, nem o PT, nem os “movimentos sociais” que imaginam comandar têm qualquer possibilidade concreta de criar uma ditadura no Brasil de hoje. Podem, no fundo da alma, namorar a ideia. Mas não podem, na vida real, casar com ela. Só perdem seu tempo, portanto, e se estressam à toa quando ficam falando que a mídia brasileira é um lixo a serviço das “elites”; há dez anos não mudam de ideia e não mudam de assunto. Bobagem. O que querem mesmo é impedir que esta revista, por exemplo, publique reportagens como a matéria de capa de sua última edição, com as declarações de Marcos Valério sobre o envolvimento direto de Lula no mensalão. Ficam quietos porque têm medo de que sejam publicadas as fitas gravadas com tudo aquilo que ele disse, e as coisas piorem ainda mais. Mas o seu único objetivo real é este: eliminar as informações que desejam esconder.

Até agora, o plano mais ambicioso que lhes ocorreu para chegar aonde querem foi propor algo que chamam de “controle social” da mídia: não conseguem explicar bem o que seria isso na prática, mas nem é preciso que expliquem. O problema do PT, nessa história toda, é simples: “controle social” é algo que não existe no mundo dos fatos. Na vida como ela é, só têm controle verdadeiro sobre um órgão de imprensa os seus proprietários ou, então, o departamento de censura. Todo o resto é pura tapeação. Mas é isso, exatamente, que o PT propõe. Já foi feita, de 2003 para cá, uma boa meia dúzia de tentativas para armar o tal controle, primeiro com projetos de lei que morreram antes de nascer, depois com “audiências públicas” e outras esquisitices. Não saiu, até agora, um único coelho desse mato.

Falou-se também da “mobilização de setores populares” para pressionar a mídia, mas não se conseguiu mobilizar ninguém. Manifestações de massa, para o PT de hoje, exigem ônibus fretados, lanches grátis, patrocínio de alguma estatal — e, francamente, não é assim que se faz uma revolução. Muito dinheiro do Erário tem sido gasto na compra do apoio de uma parte da imprensa, através de verbas publicitárias e outros tipos de ajuda: o problema, aí, é que o governo não consegue comprar os veículos que têm mais público. Foram criadas, também, brigadas de “blogueiros” que recebem uma espécie de “mensalinho” para falar a favor do governo e contra quem faz críticas a ele; ninguém parece prestar atenção no que dizem.

Inventou-se, ainda, uma “TV Brasil”, emissora que serve para apoiar as autoridades e é sustentada com dinheiro público em estado puro. Em cinco anos de funcionamento, sua audiência continua vizinha do zero; a esta altura, talvez tenha mais funcionários do que telespectadores. A questão, em todos esses casos, é que imprensa a favor não adianta nada — o que interessa a quem manda é não ter imprensa contra. Elogios não salvaram uma única cabeça, entre os doze ministros que a presidente Dilma Rousseff botou na rua até agora, nos casos em que foram denunciados por corrupção no noticiário. Não têm resolvido nada no julgamento do mensalão, também revelado integralmente pelo trabalho da imprensa; o STF vem sendo o flagelo de Deus para os réus, triturados um após o outro com sentenças de condenação.

Ditaduras entendem muito bem como se controla a imprensa. Não desejam aplausos: a única coisa que lhes importa é cortar tudo aquilo que não querem que seja publicado. Não podendo fazer isso, o PT fica na gritaria. Ainda há pouco, o presidente nacional do partido, deputado Rui Falcão, disse que a “mídia conservadora” é instrumento de uma “elite suja e reacionária”, e fez uma ameaça: “Não mexam com o PT”. E se mexerem — ele vai fazer o quê? As coisas que o deputado diz não chegam a obter a nota mínima necessária para ser levadas a sério: não há exemplo na história de situações em que a imprensa tenha mudado de linha por causa de discurseira desse tipo, ameaças vazias ou “pressões da sociedade”. Veículos independentes não têm medo de insultos, “setores populares” ou líderes políticos com popularidade de 80%; o que lhes quebra a espinha é a força armada, e só ela. É melhor, então, o PT segurar a ansiedade.
PUBLICADO NA EDIÇÃO DE VEJA 26/09/2012

moisesalba | Dicas em Pelotas | Táxi 041
Táxi, chame: (53) 8406.1744
Carro com Ar-Condicionado e preços especiais para viagens.

Internet 3G e a realidade brasileira - canal do otário


Táxi, chame: (53) 8406.1744
Carro com Ar-Condicionado e preços especiais para viagens.

Impostos no Brasil - Canal do Otário



Táxi, chame: (53) 8406.1744
Carro com Ar-Condicionado e preços especiais para viagens.

Ferreira Gullar - UMA VISÃO CRÍTICA DAS COISAS

Ferreira Gullar, grande poeta e crítico, ex-militante do Partido Comunista: “Não tenho dúvida nenhuma de que o socialismo acabou, só alguns malucos insistem no contrário”
Entrevista a Pedro Dias Leite, publicado em edição impressa de VEJA de 21/09/2012

UMA VISÃO CRÍTICA DAS COISAS

O poeta diz que o socialismo não faz mais sentido, recusa o rótulo de direitista e ataca: “Quando ser de esquerda dava cadeia, ninguém era. Agora que dá prêmio, todo mundo é”
Um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos, Ferreira Gullar, 82 anos, foi militante do Partido Comunista Brasileiro e, exilado pela ditadura militar, viveu na União Soviética, no Chile e na Argentina.
Desiludiu-se do socialismo em todas as suas formas e hoje acha o capitalismo “invencível”.
É autor de versos clássicos — “À vida falta uma parte / — seria o lado de fora — / para que se visse passar / ao mesmo tempo que passa / e no final fosse apenas / um tempo de que se acorda / não um sono sem resposta. / À vida falta uma porta”.
Gullar teve dois filhos afligidos pela esquizofrenia. Um deles morreu. O poeta narra o drama familiar e faz a defesa da internação em hospitais psiquiátricos dos doentes em fase aguda. Sobre seu ofício, diz: “Tem de haver espanto, não se faz poesia a frio”.
O senhor já disse que “se bacharelou em subversão” em Moscou e escreveu um poema em que a moça era “quase tão bonita quanto a revolução cubana”. Como se deu sua desilusão com a utopia comunista?
Não houve nenhum fato determinado. Nenhuma decepção específica. Foi uma questão de reflexão, de experiência de vida, de as coisas irem acontecendo, não só comigo, mas no contexto internacional. É fato que as coisas mudaram. O socialismo fracassou. Quando o Muro de Berlim caiu, minha visão já era bastante crítica.
A derrocada do socialismo não se deu ao cabo de alguma grande guerra. O fracasso do sistema foi interno. Voltei a Moscou há alguns anos. O túmulo do Lenin está ali na Praça Vermelha, mas pelo resto da cidade só se veem anúncios da Coca-Cola. Não tenho dúvida nenhuma de que o socialismo acabou, só alguns malucos insistem no contrário. Se o socialismo entrou em colapso quando ainda tinha a União Soviética como segunda força econômica e militar do mundo, não vai ser agora que esse sistema vai vencer.

Por que o capitalismo venceu?

O capitalismo do século XIX era realmente uma coisa abominável, com um nível de exploração inaceitável. As pessoas com espírito de solidariedade e com sentimento de justiça se revoltaram contra aquilo. O Manifesto Comunista, de Marx, em 1848, e o movimento que se seguiu tiveram um papel importante para mudar a sociedade.
A luta dos trabalhadores, o movimento sindical, a tomada de consciência dos direitos, tudo isso fez melhorar a relação capital-trabalho. O que está errado é achar, como Marx diz, que quem produza riqueza é o trabalhador e o capitalista só o explora. É bobagem. Sem a empresa, não existe riqueza. Um depende do outro. O empresário é um intelectual que, em vez de escrever poesias, monta empresas. É um criador, um indivíduo que faz coisas novas.
A visão de que só um lado produz riqueza e o outro só explora é radical, sectária, primária. A partir dessa miopia, tudo o mais deu errado para o campo socialista. Mas é um equívoco concluir que a derrocada do socialismo seja a prova de que o capitalismo é inteiramente bom. O capitalismo é a expressão do egoísmo, da voracidade humana, da ganância. O ser humano é isso, com raras exceções.
O capitalismo é forte porque é instintivo. O socialismo foi um sonho maravilhoso, uma realidade inventada que tinha como objetivo criar uma sociedade melhor. O capitalismo não é uma teoria. Ele nasceu da necessidade real da sociedade e dos instintos do ser humano. Por isso ele é invencível.
A força que torna o capitalismo invencível vem dessa origem natural indiscutível. Agora mesmo, enquanto falamos, há milhões de pessoas inventando maneiras novas de ganhar dinheiro. É óbvio que um governo central com seis burocratas dirigindo um país não vai ter a capacidade de ditar rumos a esses milhões de pessoas. Não tem cabimento.

O senhor se considera um direitista?

Eu, de direita? Era só o que faltava. A questão é muito clara. Quando ser de esquerda dava cadeia, ninguém era. Agora que dá prêmio, todo mundo é. Pensar isso a meu respeito não é honesto. Porque o que estou dizendo é que o socialismo acabou, estabeleceu ditaduras, não criou democracia em lugar algum e matou gente em quantidade. Isso tudo é verdade. Não estou inventando.

E Cuba?

Não posso defender um regime sob o qual eu não gostaria de viver. Não posso admirar um país do qual eu não possa sair na hora que quiser. Não dá para defender um regime em que não se possa publicar um livro sem pedir permissão ao governo. Apesar disso, há uma porção de intelectuais brasileiros que defendem Cuba, mas, obviamente, não querem viver lá de jeito nenhum. É difícil para as pessoas reconhecer que estavam erradas, que passaram a vida toda pregando uma coisa que nunca deu certo.

Como o senhor define sua visão política?

Não acho que o capitalismo seja justo.
O capitalismo é uma fatalidade, não tem saída. Ele produz desigualdade e exploração. A natureza é injusta. A justiça é uma invenção humana. Um nasce inteligente e o outro burro. Um nasce inteligente, o outro aleijado. Quem quer corrigir essa injustiça somos nós. A capacidade criativa do capitalismo é fundamental para a sociedade se desenvolver, para a solução da desigualdade, porque é só a produção da riqueza que resolve isso. A função do estado é impedir que o capitalismo leve a exploração ao nível que ele quer levar.

Qual a sua visão do governo Dilma Rousseff?

Dilma é uma mulher honesta, não rouba, não tem a característica da demagogia. Mas ela foi posta no poder pelo Lula. Assim, não tem autoridade moral para dizer não a ele. Nesse aspecto, é prisioneira dele.

Como o senhor avalia a perspectiva de condenação dos réus do mensalão?

O julgamento não vai alterar o curso da história brasileira de uma hora para a outra. Mas o que o Supremo está fazendo é muito importante. É uma coisa altamente positiva para a sociedade. Punir corruptos, pessoas que se aproveitaram de posições dentro do governo, é uma chama de esperança.

O senhor se identifica com algum partido político atual?

Eu fui do Partido Comunista, mas era moderado. Nunca defendi a luta armada. A luta armada só ajudou mesmo a justificar a ação da linha dura militar, que queria aniquilar seus oponentes. Quando fui preso, em 1968, fui classificado como prisioneiro de guerra. O argumento dos militares era, e é, irrespondível: quem pega em armas quer matar, então deve estar preparado para morrer.

O senhor condena quem pegou em armas para lutar contra o regime militar?

Quem aderiu à luta armada foram pessoas generosas, íntegras, tanto que algumas sacrificaram sua vida. Mas por um equívoco. Você tem de ter uma visão critica das coisas, não pode ficar eternamente se deixando levar por revolta, por ressentimentos. A melhor coisa para o inimigo é o outro perder a cabeça. Lutar contra quem está lúcido é mais difícil do que lutar contra um desvairado.

Como se justifica sua defesa da internação o tratamento da esquizofrenia?

As pessoas usam a palavra manicômio para desmoralizar os hospitais psiquiátricos. Internei meu filho em hospitais que têm piscina, salão de jogos, biblioteca. Mesmo os públicos não têm mais a camisa de força ou sala com grades. Tive dois filhos esquizofrênicos. Um morreu, o outro está vivo, mas não tem mais o problema no mesmo grau. Controlou com remédio, e a idade também ajuda. A esquizofrenia surge na adolescência e se junta à impetuosidade. Com o tempo, a pessoa vai amadurecendo. Doença é doença, não é a gente. Se estou gripado, a gripe não sou eu. A esquizofrenia é uma doença, mas eu não sou a esquizofrenia. Posso evoluir, me tornar uma pessoa mais madura, debaixo de toda aquela confusão. O esquizofrênico com 50 anos não é o mesmo de quando tinha 17.

Qual o pior momento na sua convivência com filhos esquizofrênicos?

Quando a pessoa entra em surto, ela pode se jogar pela janela. Meu filho, o Paulo, se jogou. Hoje ele anda mancando porque sofreu uma lesão na coluna. Ele conversava comigo, via televisão, brincava, lia meus poemas. Em surto, não tinha controle. Queria estrangular a empregada. Nessas horas, a única maneira é internar e medicar. Nesse estado, sem nenhum socorro, o esquizofrênico pode fazer qualquer coisa.

A família pobre faz o quê, se não tem mais onde internar?

Se mantiver a pessoa em casa, ela poderá tocar fogo em tudo, pegar uma faca e tentar assassinar o pai. Poderá fugir para a rua, desvairada. Essa política contra os hospitais psiquiátricos tem como resultado prático uma tragédia em que os ricos internam seus filhos em clínicas particulares e os pobres morrem na rua.

Quando ouço alguém dizer que as famílias internam os filhos porque querem se ver livres deles, só posso pensar que essa pessoa gosta dos meus filhos mais do que eu. Nunca viu meu filho, mas ama meu filho mais do que eu. Absurdo. Você não sabe o que é uma família ter um filho esquizofrênico. Além do problema do tratamento, existe o desespero de não saber o que fazer.

Os hospitais psiquiátricos continuam a existir porque os médicos sabem que não há outra saída. Não se interna um doente para que ele fique vinte anos lá dentro, mas sim três dias, três meses. Meus filhos nunca ficaram internados além do tempo necessário. Eles voltavam para casa normais. Era uma alegria. Nenhuma família quer ter seu filho preso.

Como foi a primeira vez que se defrontou com a doença?

O primeiro surto do Paulo foi no exílio, em Buenos Aires. Um dia, no apartamento, a gente estava brincando, a bola desceu pela escada, ele saiu para pegá-la e não voltou. Desci, ele tinha sumido. Em que direção eu ando? Voltei para casa e fiquei chorando, não sabia o que fazer. Paulo ficou meses sumido. Isso foi em 1974, logo que cheguei a Buenos Aires. Terminei encontrando-o preso. No desvario, ele tentou roubar um carro — não sabia nem dirigir — e foi preso. Fez greve de fome. Estava esquelético.

O policial disse que era preciso uma ordem para soltá-lo, porque era menor. Mas deixou que eu levasse meu filho, porque sabia que ele estava doente. Levei o Paulo para casa. Ele entrou e começou a arrebentar a janela. Morávamos no quinto andar. Ele foi internado. Até o dia em que, esperto como é, sumiu do hospital, para sempre. Foi encontrado em São Paulo. Saiu de Buenos Aires sem um tostão, com a roupa do corpo. Esses episódios não têm fim.

Como é seu método para fazer poesia?

Já fiquei doze anos sem publicar um livro. Meu último saiu há onze anos. Poesia não nasce pela vontade da gente, ela nasce do espanto, alguma coisa da vida que eu vejo e que não sabia. Só escrevo assim. Estou na praia, lembro do meu filho que morreu. Ele via aquele mar, aquela paisagem. Hoje estou vendo por ele. Aí começo um poema… Os mortos veem o mundo pelos olhos dos vivos. Não dá para escrever um poema sobre qualquer coisa.

O mundo aparentemente está explicado, mas não está. Viver em um mundo sem explicação alguma ia deixar todo mundo louco. Mas nenhuma explicação explica tudo, nem poderia. Então de vez em quando o não explicado se revela, e é isso que faz nascer a poesia. Só aquilo que não se sabe pode ser poesia.

A idade é uma aliada ou uma inimiga do poeta?

Com o avanço da idade, diminuem a vontade e a inspiração. A gente passa a se espantar menos. Tem poeta que não se espanta mais, mas insiste em continuar escrevendo, não quer se dar por vencido. Então ele começa a escrever bobagens ou coisas sem a mesma qualidade das que produzia antes. Saber fazer ele sabe, mas é só técnica, falta alguma coisa. Não se faz poesia a frio. Isso não vai acontecer comigo. Sem o espanto, eu não faço.

Escrever só para fazer de conta, não faço. Eu vou morrer. O poeta que tem dentro de mim também. Tudo acaba um dia. Quando o poeta dentro de mim morrer, não escrevo mais. Não vou forçar a barra. Isso não vai acontecer. Toda vez que publico um livro, a sensação que tenho é de que aquele é o definitivo. Escrever um poema para mim é uma grande felicidade. Se não acontecer, não aconteceu.



moisesalba | Dicas em Pelotas | Táxi 041
Táxi, chame: (53) 8406.1744
Carro com Ar-Condicionado e preços especiais para viagens.

Ayrton Senna ou Macunaíma - Gustavo Ioschpe

Falta de ambição atrapalha educação no Brasil

Em artigo publicado em VEJA desta semana, o economista Gustavo Ioschpe diz que melhorar o sistema de ensino precisa ser parte de um projeto nacional


Fui fazer faculdade nos Estados Unidos em 1995 e depois voltei para mais dois anos de mestrado lá. Saí mais otimista em relação ao Brasil do que quando cheguei. Até aquela época, o contato com os EUA se resumia a férias, filmes e encomendas trazidas de viagem. Sob esse prisma, o país parecia uma Terra Prometida, onde tudo era bom e barato e as pessoas, ricas e civilizadas. Se era assim na média, imaginei que depararia com verdadeiros super-homens nas universidades Ivy League para as quais me dirigia. Felizmente, eu me decepcionei. Meus colegas americanos eram muito mais ignorantes e superficiais do que eu imaginara. E, fora as questões intelectuais, me chamou a atenção seu desajuste emocional. Parecia que todo mundo estava ou brigado com os pais, ou tomando antidepressivos ou indo a festas para beber até cair. Muitas pessoas se encaixavam nas três categorias. Se esse pessoal conseguiu construir a potência hegemônica do planeta, pensei eu, nós também podemos. Yes, we can!

A volta ao Brasil depois de oito anos foi, porém, surpreendente. Porque era (e segue sendo) claro que o país se divide em dois grupos. Um é cosmopolita, aguerrido, preparado e ambicioso. Gente que tem fome, que quer competir com o que há de melhor no mundo. Ayrton Senna. O outro é provinciano, malemolente, com baixa instrução, acomodado. Um pessoal que está satisfeito com o que a vida lhe deu. Macunaíma. Impossível quantificar construtos tão subjetivos, mas diria sem medo de errar que o segundo grupo é muito mais numeroso do que o primeiro.

Prova indireta disso é que os slogans dos presidentes democraticamente eleitos nas últimas décadas - portanto, afinados com a mentalidade coletiva - pertencem quase todos ao segundo grupo. Sarney: “Tudo pelo social”. Itamar: “Brasil, união de todos”. Lula I: “O melhor do Brasil é o brasileiro”. Lula II: “Brasil, país de todos”. Dilma: “País rico é país sem pobreza”. Todos esses olham para dentro e para trás: o foco é sanar desigualdades, incluir, corrigir os erros do passado, glorificar o que temos. Com exceção do “Avança, Brasil” de FHC, ninguém faz menção ao mundo exterior ou ao futuro, ninguém almeja tornar o Brasil aquilo que, até por suas dimensões e riquezas naturais, ele deveria naturalmente querer ser: uma potência mundial.

Compreender e explicar essa acomodação está além deste espaço e deste colunista, mas as consequências desse espírito são claras: ficamos muito abaixo do que poderíamos ser. Tanto a literatura acadêmica (disponível em twitter.com/gioschpe) quanto a minha experiência de vida têm me mostrado que a gana individual - perseverança, resiliência, ambição - é fator fundamental no sucesso de uma pessoa, aliada à qualidade de sua formação. Não faltam inventividade e persistência ao brasileiro: o problema é que os sonhos de muitos compatriotas são bem mais acanhados do que poderiam ser. Alguém já disse que o homem prudente é como o bom arqueiro: mira sempre um pouco acima do alvo. O Brasil já mira abaixo do que deveria, e portanto acaba alcançando ainda menos do que ambiciona.

Em nenhum lugar esse rasgo da nossa psique está mais aparente e imbricado com uma complexa relação de causalidade do que em nosso sistema educacional. Se a nossa pouca ambição já vem de família, certamente ela é muito reforçada em nossas escolas. Em um perfil do professorado brasileiro traçado pela Unesco e pelo MEC, 75% dos professores declararam preferir a igualdade à liberdade. O objetivo da nossa escola é homogeneizar, não desenvolver talentos. Um levantamento de 2007 do Inep, o órgão de pesquisas do MEC, identificou 2 553 alunos superdotados na educação brasileira. Para identificar menos de 3 000 superdotados em uma rede de mais de 50 milhões de alunos é preciso um esforço consciente de cegueira. Eis aí uma diferença básica entre o que vivi em escolas brasileiras e universidades americanas: aqui, o bacana era o cara que não estudava, baladeiro, safo. O aluno aplicado é “nerd”, otário. Lá, assim como em outros sistemas educacionais de ponta, valorizado é o aluno que estuda muito e tira ótimas notas. Nos EUA, os melhores alunos entram para honors lists; na Alemanha, há sistemas educacionais diferentes para aqueles com ambições acadêmicas mais altas; na China, os alunos são ranqueados e precisam de boas notas para adentrar as melhores escolas e, depois, as universidades. Aqui, o histórico escolar da pessoa não importa. O jogo é zerado no momento da entrada para a universidade, decidido por meio de um único teste (vestibular ou Enem). No Brasil, há uma estranha percepção de que recompensar os melhores e mais aplicados seria romper o éthos republicano. Nossos professores descreem de seus pupilos: só 7% deles acreditam que quase todos os seus alunos chegarão à universidade, segundo questionário da Prova Brasil 2009. Nosso desastre educacional também desestimula ambições ao tirar do brasileiro o preparo intelectual que é o pré-requisito para voos mais altos. Pesquisa do Inaf mostra que 74% dos adultos brasileiros não são plenamente alfabetizados. Com esse despreparo, sonhar muito alto pode ser sinal de doença psiquiátrica.

A má educação causa a falta de ambição e é também causada por ela. Nos países que deram grandes saltos, a educação não foi percebida como um fim, mas como parte de um projeto nacional. China do século XXI, Coreia da década de 70, Estados Unidos dos anos 30, Japão do pós-guerra: nesses e em outros casos, os países perseguiam um sonho de grandeza. A educação não era o ponto de chegada, mas parte da ponte até o futuro glorioso. Parte do nosso problema é que, ao não termos um projeto nacional inspirador, a educação deixou de ser uma questão dos brasileiros e se tornou propriedade dos professores e funcionários. Alguns deles têm espírito público e generosidade e fazem o melhor que podem para os seus alunos e, consequentemente, o país. Mas a maioria acaba se acomodando em um sistema que não incentiva o mérito, nem pune o demérito; as únicas causas que defendem são as suas próprias.

Mas será que precisamos ser mais ambiciosos? O Brasil já apareceu nas primeiras posições em levantamentos internacionais de felicidade. Os céticos dirão que optamos por menos ambição e desenvolvimento em troca de mais bem-estar, sociabilidade e alegria. Acho essa uma falsa dicotomia. É possível ser simultaneamente desenvolvido e alegre. Na última pesquisa Gallup sobre felicidade mundial, realizada de 2005 a 2011, os dez primeiros colocados eram todos do Primeiro Mundo e os dez últimos, subdesenvolvidos. Sou cético quanto à qualidade de uma escolha tomada em situação de pobreza intelectual como a que temos no Brasil. Longe de mim sugerir que analfabetos não devam poder decidir sobre a vida deles. Democracia e liberdade são valores supremos. Mas seria demagógico supor que a qualidade das decisões que uma pessoa toma não muda com melhorias radicais de instrução. Pesquisas mostram que pessoas mais instruídas fumam menos e são mais saudáveis. Finalmente, não creio que seja lógico ou ético optar pelo nosso atual patamar de desenvolvimento, quando ele significa que tantos milhões de pessoas estariam condenadas a uma vida indigna, da mais absoluta privação. Eu não teria problema de viver em um Brasil que, a exemplo da França, optou por reduzir a semana laboral, trocando riqueza por lazer e família - desde que o Brasil chegue ao patamar da França, em que há riquezas acumuladas para bancar a “preguiça” e validar a decisão de pegar leve. O Brasil ainda não chegou lá. Temos um caminho longo. Convém mirar mais alto do que vimos fazendo.
Fonte: Veja.com

moisesalba | Dicas em Pelotas | Táxi 041
Táxi, chame: (53) 8406.1744
Carro com Ar-Condicionado e preços especiais para viagens.