O mensalão e o resgate histórico da verdade sobre a era Lula

EDITORIAL - Gazeta do Povo - Curitiba - 18/12/2012, 00:02
O crescimento econômico e a melhoria em indicadores sociais, hoje vistos por muitos como a marca que Lula imprimiu ao Brasil, dão lugar a um legado mais sombrio: o de dois mandatos presidenciais em que os fins justificaram os meios
Com a confirmação da perda de mandato dos três deputados incluídos entre os 25 réus condenados no processo do mensalão, o Supremo Tribunal Federal encerrou ontem – restando apenas a publicação do acórdão, a apresentação de embargos e o trânsito em julgado, com o início do cumprimento das penas, fases que devem ficar para 2013 – não apenas o processo criminal mais importante da história política brasileira, mas um resgate da verdade histórica sobre um período que extrapola a duração do esquema criminoso. O episódio do mensalão foi um retrato daquela que precisa ser reconhecida como uma das principais características dos oito anos de governo Lula. O crescimento econômico e a melhoria em indicadores sociais, hoje vistos por muitos como a marca que Lula imprimiu ao Brasil, dão lugar a um legado mais sombrio: o de dois mandatos presidenciais em que os fins justificaram os meios.
Depois de três tentativas frustradas, Lula e o PT chegaram à Presidência com um projeto para o Brasil. Nos últimos dez anos, dezenas de milhões de brasileiros experimentaram a ascensão social, dando origem ao fenômeno da “nova classe C”. No entanto, no início do primeiro mandato de Lula, sem a certeza de que haveria bons resultados na área social que lhe garantissem apoio popular no futuro, o partido engendrou um esquema de compra de apoio parlamentar para se manter no poder. O mensalão, chefiado pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu – agora condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha ao lado dos companheiros José Genoino e Delúbio Soares –, mostrou que boa parte da cúpula petista julgou válido manchar as instituições democráticas, especialmente a independência do Poder Legislativo, para que o PT permanecesse no Planalto pelo maior tempo possível. A julgar pelas recentes manifestações do partido, inclusive, essa lógica continua vigorando, como na nota de apoio aos mensaleiros condenados divulgada em 14 de novembro.
O raciocínio do vale-tudo também embasou outras ações do presidente. Em nome da perpetuação do petismo no governo federal, o Estado foi aparelhado de forma sem precedentes. A qualidade técnica foi substituída, como critério de nomeação, pelo mero apadrinhamento político ou pela ligação com grupos próximos ao petismo. O caos aéreo de 2007, que deixou evidente a incompetência dos gestores da aviação civil brasileira, foi o exemplo mais claro – embora esteja longe de ter sido o único – das consequências dessa política cujos resultados desastrosos ainda se prolongarão por décadas, tamanho o estrago na qualidade dos serviços públicos e da infraestrutura.
Lula também acreditou que podia deixar de lado o debate democrático e partir para o confronto contra a imprensa livre, especialmente por meio de seu ministro Franklin Martins, o maior entusiasta do “controle social da mídia”. Investida que não teve sucesso, mas que também deu mostras do ímpeto lulista de submeter as instituições à sua vontade.
Entre os meios empregados por Lula e pelo PT para manter seu projeto de poder seria possível incluir a própria falsificação da história recente do Brasil. Sob o mantra do “nunca antes neste país”, Lula pretendeu convencer a população de que seu governo erguera o Brasil do zero, ignorando que muitas das condições que permitiram os avanços sociais registrados durante seus oito anos de mandato foram lançadas por seus predecessores, principalmente na década de 90, iniciando com a abertura comercial promovida por Fernando Collor e passando pela estabilidade econômica (no governo Itamar Franco), pelo fortalecimento do sistema bancário, pela ampliação de serviços como a telefonia, graças às privatizações, e pela criação de programas sociais que seriam o embrião do Bolsa Família (nos mandatos de Fernando Henrique Cardoso). Além disso, Lula foi beneficiado pela própria conjuntura internacional, mais favorável no governo petista que nos anos anteriores, mesmo com a crise mundial no fim de seu mandato. Lula não reconheceu nada disso, preferindo abusar de outro mantra, o da “herança maldita”, para atribuir aos antecessores, especialmente FHC, a culpa por todas as dificuldades que encontrava.
Quando os historiadores se debruçarem sobre o período 2003-2010, poderão vê-lo como anos de prosperidade, mas também perceberão que, com a consagração do vale-tudo lulista na política, a democracia brasileira pagou um alto preço por esses avanços. Lula e o PT julgaram que os fins justificam os meios, que seu projeto para o Brasil lhes dava carta branca para toda sorte de ataque às instituições, que felizmente não se deixaram intimidar – a maior prova disso está no STF, que negou a lógica da carta branca no julgamento encerrado ontem. Mesmo dentro do partido, não são poucos os petistas que discordam do vale-tudo, da corrupção e do aparelhamento. Sua liderança é mais que necessária no momento em que o mensalão oferece uma preciosa chance de autocrítica e de correção de rumo.

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