Em um de seus inflamados comícios de campanha, o presidente Lula declarou, ao lado de sua candidata, que “governar qualquer um governa; o que o Brasil precisa é de alguém que cuide dele, de uma mãe”. A primeira parte do raciocínio mal esconde um modo curioso de, discretamente, desfazer de sua candidata, já que, para governar, qualquer um serve – por que não ela? Mas a segunda parte revela, atrás do pitoresco típico de sua linguagem, de forte apelo popular, uma representação cativante do poder que remonta às raízes do Brasil. Em outras palavras, a ideia de que o Estado é um prolongamento da família, uma imagem aliás recorrente nas metáforas de Lula. Sim, uma imagem com sabor de povo, mas exatamente o mesmo conceito se encontra na clássica frase do elitista Ruy Barbosa, uma figura ornamental da cultura brasileira que pode ser acusado de tudo, exceto de iletrado: “A pátria é a família ampliada”.

Ocorre que o Estado moderno só passou a existir quando destruiu o seu pressuposto familiar; o Estado, hoje, tem de ser o contrário do que é a família. Não pode jamais ser regido por laços de sangue, parentesco, hierarquia familiar, proteção de clãs, privilégios de berço, direito à herança. O Estado tem de ser a regulação abstrata de leis, o que pressupõe, necessariamente, a autonomia adulta de indivíduos, não a tutelagem familiar. Quem precisa de pai e mãe é criança; o cidadão precisa de presidente e de governo, ambos renováveis periodicamente (ao contrário das famílias, que são eternas). O mundo civilizado aprendeu a duras penas essa diferença. Imagine-se um candidato alemão, francês, americano ou sueco dizendo aos eleitores que eles “precisam de uma mãe” e veja-se o resultado nas urnas. Seria um bom modo de descobrir o grau de maturidade política de um país.
Publicado em 17/08/2010 - Cristovão Tezza
Fonte: GAZETA DO POVO
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