O retrato de Erenice

Nas Entrelinhas - Correio Braziliense - 19/09/2010
O país que não conhecia a ministra da Casa Civil ainda não entende como é possível alguém como ela chegar ao topo da administração pública. Para o país que a conhecia, sobrou o espanto: como alguém pode acabar com a imagem tão suja em apenas cinco dias?
Menos de 100 horas. Erenice Guerra, agora ex-ministra de Lula e ex-soldada de Dilma, aguentou apenas cinco dias de investigação jornalística. É pouco, muito pouco, para alguém que ocupava o segundo posto mais importante na estrutura burocrática da Esplanada dos Ministérios. É nada para quem até então era uma desconhecida da imensa maioria da população brasileira. Escarafunchado, o trabalho funcional de Erenice e da sua turma foi para o ralo. Não restou nada ou alguém para esconder as lambanças. Ao fim de uma semana, o retrato de Erenice revelou-se torto, desbotado e, a depender dos petistas, deverá ser guardado numa gaveta para nunca mais. Uma semana foi o tempo para os brasileiros conhecerem a dona Erenice — e, por tabela, toda a família dela, incluindo aí os políticos e as autoridades que deram sustentação à chefe da Casa Civil.
No caso da nossa ex-ministra, é improvável encontrar mais de meia dúzia de fanáticos partidários a discursar contra as denúncias jornalísticas. Mesmo que possam apontar um ou outro exagero da mídia — sim, eles existem —, há poucos a deixar a mão no fogo por Erenice. Aliás, todos tiraram o corpo. À tropa de choque de Dilma, falta o argumento da denúncia simplesmente eleitoreira. Os próprios governistas, no máximo, tentaram isolar a candidata presidencial do escândalo. Investigar Erenice foi, ao longo dos últimos cinco dias — pelo menos até a queda —, encontrar facilmente vários elos para contar histórias de indícios de tráfico de influência.
Depois da primeira reportagem da revista Veja sobre a participação do filho da ministra em serviços de lobbies para empresas dentro da Casa Civil, seguiram-se outras tantas sobre a participação dos parentes de Erenice na estrutura da Esplanada, do Governo do Distrito Federal e da Editora UnB, lá no tempo do Timothy, aquele ex-reitor que ficou nacionalmente conhecido por causa da compra de uma lixeira a preço de ouro.
Este Correio apresentou pelo menos seis reportagens sobre as histórias de Erenice e da sua turma. A principal delas tratou da estrutura montada por parentes e amigos da ministra nos cargos do governo local. A partir de uma ciranda de pessoas influentes, a então chefe da Casa Civil conseguiu empregar o filho, Israel — este, acusado de ser fantasma —, e o irmão Euricélio na Terracap e na Novacap, respectivamente. Como Erenice, acabaram ejetados dos cargos. Os laços dela com políticos das esferas federais e distritais é um assunto que interessa prioritariamente ao jornal. Mas o escândalo mostra mais. Revela como o país e o serviço público ainda estão distantes da eficiência — por mais concursos públicos que possam ser feitos —, por conta de personagens como Erenice Guerra e tantos outros que ainda habitam os governos federal, estaduais e municipais.
Outra coisa
No país da piada pronta, é difícil acreditar que indícios do esquema de tráfico de influência instalado na Casa Civil não fossem do conhecimento de alguém que pudesse dinamitá-lo logo de início, considerando o fato de os primeiros movimentos de lobby terem sido feitos há mais de um ano. O suposto esquema prosperou e chega a ser uma provocação a Comissão de Ética Pública da Presidência aplicar — só ontem — uma “censura” por não ter prestado informações sobre patrimônio, sociedade em empresas e a relação de seus parentes com o serviço público, quando tomou posse na pasta, em abril. Basta rir da galhofa. Para não chorar.

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